Galo Ancestral empodera e legitima berço do Carnaval recifense

Um galo majestoso que flerta com o futuro, ao mesmo tempo que reverencia suas origens carnavalescas e traz a representatividade da etnia brasileira e, sobretudo, da população negra, do nascimento dos brinquedos populares e do frevo. Estas são algumas das inspirações que o artista plástico, designer e consultor pernambucano Leopoldo Nóbrega bebeu para criar o “Galo Ancestral”, alegoria que reinou absoluta na Ponte Duarte Coelho durante o Carnaval 2023. A aposição da obra de arte gigante na ponte matará as saudades dos brincantes e encerrará o hiato de dois anos de suspensão da folia devido às causas sanitárias.

Leopoldo Nóbrega, que assina a escultura, ressalta o empoderamento social presente na obra de arte. “Em reconhecimento à História e toda riqueza do legado afrodescendente para a formação multiétnica nacional, evocamos a nossa ancestralidade africana e brindamos um novo tempo colorido, de paz, igualdade, inclusão e valorização das diferenças como potência cultural e estímulo ao fortalecimento das identidades através do empoderamento social, das narrativas humanistas e práticas sustentáveis presentes na escultura gigante do Galo da Madrugada”.

Ao todo, foram mais de sete toneladas de insumos utilizados, incluindo – além da estrutura de ferro – todos os revestimentos que sintonizam as tendências de moda e arte da obra. Toda a estrutura da alegoria é feita sob medida para ser encaixada no guindaste de 70 toneladas que garante a estabilidade do Galo na ponte. São cerca de 20h de trabalho na Ponte Duarte Coelho. Quando pronto e montado, a alegoria fica com 28 metros de altura. A obra de arte também traz traços cubistas e angulosos inspirados em Picasso que, por sua vez, também se inspirou na arte africana no início do século passado, e tem 90% de materiais e resíduos recicláveis.

Foram utilizados quase 670 litros de tinta para colorir o Galo Ancestral, em uma parceria com o Movimento Coral Tudo de Cor, projeto social que revitaliza e leva cor a espaços públicos, comunidades e intervenções artísticas em todo o Brasil. A parceria com esse espaço artístico inclui também, após o Carnaval, oficinas de expansão criativa e capacitação técnica de aplicação de produtos e pintura com participantes do programa de qualificação continuada voluntária e solidária da Arte Plenna.

“Estamos felizes em poder contribuir com a confecção desse verdadeiro símbolo da cultura brasileira e recifense, o que ganha ainda maior relevância após dois anos de ausência das festividades. É mais uma forma de levarmos nossa missão e valores ao grande público, compartilharmos cor, autoestima e energia”, comenta Elaine Poço, diretora de Pesquisa & Desenvolvimento e Sustentabilidade da AkzoNobel para a América do Sul. Em mais de 10 anos de história, entregou cerca de 2 mil projetos, com 17 mil imóveis renovados; 5,5 mil pintores formados e 1,1 milhão de litros de tinta consumidos.

Assim como suas duas últimas edições, também assinadas por Leopoldo Nóbrega e a designer e arquiteta Germana Xavier, a sustentabilidade e upcycling são fundamentais no processo de confecção da obra de arte gigante. A indumentária do Galo vem de descartes de tecidos como malhas e jeans coletados em cidades como Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe e também de revestimentos de pisos em eventos. “A gente vem com um galo pós-moderno, inclusivo e que dialoga com a redução de impactos ambientais”, ressalta Nóbrega, que manteve a co-criação da escultura gigante em parceria com mulheres artesãs de comunidades periféricas, como Bomba do Hemetério, Morro da Conceição, Santo Amaro e Ponto de Parada. É pelas mãos delas que a indumentária do Gigante da Ponte ganha vida. A formação das artesãs é fruto de metodologias próprias para Eco Arte Educação, idealizada pela Professora e Artista Plástica Maria do Carmo da Silveira Xavier, e vem acontecendo em oficinas permanentes através dos Núcleos Produtivos voluntários e solidários Arte Plenna, a exemplo do projeto Sonhar e Bordar, em parceria com a Artesã e Ativista Ester Bispo.

Pela primeira vez, o Galo reverenciou pretos e pardos, pilares da cultura carnavalesca e do surgimento dos brinquedos populares tão caros à população, como o próprio frevo. É pelas mentes e mãos da classe trabalhadora que surgiram todas as manifestações que permeiam o ciclo momesco. Maracatus são ligados às casas de santo, Caboclinhos idem, com suas reverências e referências afro-ameríndias, assim como os Ursos. Sejam Escolas de Samba, ou Afoxés, as ligações com a cultura de matriz religiosa africana e indígena corre e pulsa nas veias dos brincantes e suas manifestações únicas no Recife. Pois são justamente as manifestações populares que fazem da festa no Recife um Carnaval único, inclusivo, plural e popular.

A indumentária do Galo bebe na fonte de padronagens e paletas de cores africanas e Pernambucanas (ou AfroPernambucanas) e traz tons quentes, como as tonalidades presentes na bandeira de Pernambuco. “Teremos também tons flúor e metálicos. O Manto Sagrado do Galo terá uma cartela de cores vibrantes, com influências afropunk. A roupa será um caleidoscópio em Patchwork de inspirações étnicas”, antecipa Leopoldo Nóbrega. As pontas das asas serão douradas, em franca reverência a Oxum, deidade das águas, que também é reverenciada na cidade, cuja padroeira vem a ser Nossa Senhora do Carmo, em franco sincretismo com a ancestralidade negra. No pescoço, mais dourado, desta vez com um colar no estilo gargantilha africana. A cauda, por sua vez, traz todas as cores da paleta do arco-íris para rememorar que o Carnaval é, sim, de todos, todas e todes. Mosaicos de espelhos tecnológicos serão confeccionados com descartes de DVDs, iluminando a importância do consumo consciente e compondo a indumentária, reforçando o sagrado que reflete e transmuta as energias, presentes na gola e partes do figurino do gigante.

Na roupa, Leopoldo também mascarou alguns símbolos sagrados da folia. A exuberância de cores e texturas esconderá verdadeiros talismãs, simbologias que fazem referência ao Frevo e Maracatus, como coroas, escudos e sombrinhas de frevo, que farão as vezes de proteção. A cabeça do Galo Ancestral será um espetáculo à parte. Pinturas africanas em cor branca irão adornar o rosto do Gigante, cuja crista passa a adotar dreadlocks, embelezados com fitas de múltiplas cores. Sua majestade, o Galo Ancestral, já reina na Ponte Duarte Coelho, aguardando o Sábado de Zé Pereira, dia 17 de fevereiro.